Sala de Estar Principal

- Então dorme, que eu durmo contigo.
Sorri abertamente e beijei a sua face.

- Este sofá não é o mais confortavel para dormir - salientei - Não queres ir para o nosso quarto?

Fiz uma careta. Lá nisso ele tinha razão. Apesar de sofisticado, dormir num sofá era sempre o mesmo: dores e problemas horríveis de costas. Além do mais, ainda nem sequer tinha visto como era o nosso quarto. E estava curiosa. - Está bem. - levantei-me e apanhei a sua mão.
Depressa saímos dali.

Um problema de última hora tinha-me feito reunir com os organizadores do baptizado dos gémeos. Mateo, sendo o meu braço direito ali em Itália, tinha estado encarregue disso.

As pessoas estavam espalhadas pela sala. Umas, mais relaxadas que as outras. A maioria estava nos sofás, à gargalhada. Imaginava que aquela fosse a família de Enzo. A tia ''maléfica'' também estava lá. Felizmente, não reparara na minha presença.
Segui até Enzo e toquei-lhe no braço.

Olhei para trás e vi Celine. Sorri-lhe e aproveitei para a apresentar à familia ali presente.
- Familia, esta é a Celine, a minha companheira - Disse, primeiro em italiano, depois em inglês.

Olhei para Enzo completamente transtornada. Eu não estava pronta para ser apresentada à sua família. Pelo menos, não assim. Toda mal vestida e despenteada.
As pessoas pararam o que estavam a fazer para olhar para nós. As minhas faces ficaram extremamente quentes. Novamente, o olhar da sua tia posto em mim. Novamente, o centro das atenções e comentários. As minhas pernas tremiam. - Eu estava melhor sendo apenas um fantasma. - comentei entre dentes, para que só Enzo ouvisse. Alguns familiares levantaram-se e foram-me cumprimentar. Muito poucos. De certo que a maioria, pouco acreditava num futuro para a nossa relação.

Eu gostava do ar dela assim, especialmente sabendo que ela dormira comigo ainda há poucas horas. Os Riccis não eram muito calorosos mas ainda houve membros da familia que me surpreenderam  e a cumprimentaram.
- Nao, não estavas. Não és nenhum fantasma.

- Tu percebeste Enzo. - suspirei. Ser apresentada a uma família de mafiosos, era mais difícil do que parecia. Pelo menos para mim, que desde que chegara, não sabia fazer outra coisa, se não ficar transtornada. Sentei-me ao lado de Enzo.

Prosseguimos com aquela reunião familiar e depressa se resolveu o problema que tinha entre mãos. Alguns ficaram para jantar.

Eu tinha percebido o mau humor de Enzo. Acho que toda a gente naquela casa percebeu. E isso incomodava-me. Não gostava de o ver daquela maneira. Havia sempre qualquer coisa que me arrepiava a espinha, quando ele ficava assim.
Sentei-me no sofá a ler um livro. O facto de a lareira estar acesa, dava uma sensação reconfortante. Naquele dia não estava calor e aquela casa conseguia ser bastante fria por dentro.
Pietra gracejava para o irmão mais velho, enquanto Mateo falava qualquer coisa em italiano para Enzo. A bruxa da sua tia também ali estava. Éramos poucos na sala.
- Imagino que depois do baptizado dos gémeos se casem.. – Casar? Hum? Que ideia era aquela? Allegra olhou-me com o seu típico olhar superior e voltou novamente a sua atenção para Enzo. É claro que me tive que pronunciar.
- Não faço ideias de me casar. – abanei a cabeça. O seu olhar intensificou-se ainda mais. Desprezava-me, não era novidade nenhuma.
- Ela não quer ir ao baptizado, ela não se quer casar.. Por amor de Deus Enzo, faça alguma coisa! - ele não podia fazer nada quanto àquele assunto. Ele não opinaria ao ponto de mudar as minhas escolhas de vida.
- Eu vou ao baptizado. - revirei os olhos. - Duas pessoas quando estão juntas, não têm que necessariamente de se casar. É uma ideia completamente ridícula. É mais uma fantochada, estúpida tradição e só serve para gastar dinheiro. - o mau humor tinha atacado quase todos daquela família. Isso estava a contagiar-me. E teríamos continuado a discutir aquilo, se ela não achasse as minhas palavras demasiado ofensivas. Levantou-se, atirou-me um olhar de morte e seguiu caminho para fora da sala. Pelo menos aquela discussão acabara. Afundei-me no sofá e continuei a dar atenção ao meu livro.

Eu não estava na disposição correta para aquela espécie de reunião familiar, mas as boas maneiras que a minha mãe me ensinara tinham de ser cumpridas. O poder também dependia disso, e o respeito. Ainda assim aquela casa estava impossivel. Eu ainda não falara muito com Celine esta manhã e quando a ouvi não pude não deixar de ficar estupefacto, assim como algo furioso, também.
Pedi a Pietra e a Mateo que saíssem. Bom, não foi bem um pedido, mas eles perceberam. Levantei-me e coloquei-me à frente de Celine.
- Agora já vais ao baptizado. O que é que te fez mudar de ideias?

Não revirei os olhos, muito menos o olhei. Ainda estava magoada com a sua atitude e convicta em levar a minha avante. Dar-lhe-ia todo o desprezo. Queria que ele provasse o próprio veneno. Mudei a página do livro. Estava a aprender Italiano, com a sua ajuda.

- Ficaste muda, agora? O que é que se passa contigo, Celine?!
Disse, talvez mais alto que queria, mas estava sem paciência.

Não gostava quando ele usava aquele tom comigo. Detestava e isso só me afastava. Sim, eu tinha as minhas razões para mudar de ideia. - ''La vendetta è un piatto che va servito freddo.'' - disse-o num tom frio e cerrado. Encolhi os ombros.

Revirei os olhos. Então era disso que se tratava. Vingança. Tinha começado tudo por causa dela, em primeiro lugar.
- Como queiras. - respondi indiferente.

Eu sentira-me uma puta nas suas mãos, algo que já não sentia à imenso tempo. E apesar de ter uma forte necessidade de o abraçar, de lhe tocar, não o ia fazer. - Estás a tapar a luz. - respondi-lhe no mesmo modo indiferente que o dele.

Contive-me para não fazer nada. Virei costas para Celine e alcancei a mesa das bebidas. Precisava de algo forte, para me controlar.

Olhei-o, agora de costas e sorri abertamente. Seria um esforço enorme, ignorá-lo e ser mázinha. Só fora cruel para ele apenas duas vezes e eram situações que queria esquecer. Era algo que se pudesse voltar atrás, nunca faria. Mas era passado e só tinha que apagar aquilo.

A minha mão agarrava com força o copo onde me servira de um brandy muito antigo. Estava de costas para Celine pois não a deixaria ver como me afetava. O meu maxilar estava cerrado, os meus olhos gelados, mas sentia-me mal por não a ter a meu lado e por o que lhe tinha feito. Ela era a minha fraqueza.

Estava a começar a ficar impaciente. Tê-lo ali na sala e não falar com ele, não era de todo algo habitual. Ficara demasiado dependente dele. - O baptizado, vai ter festa? Vai demorar muito?

Demorei alguns segundos a responder. Precisava de manter o meu tom de voz firme.
- Claro que terá festa, aqui mesmo na mansão. Durará até o último convidado sair daqui.

Revirei os olhos. Não me ia pronunciar sobre o quão estúpido aquela tradição era, pois sabia que era algo importante para ele. Mas não ia suportar estar no meio de tanta gente. Ainda para mais, gente desconhecida. A sua família e sabe-se lá mais quem. - Vai ser algo apenas entre vocês? - estava já a excluir-me. Não tinha paciência para todos aqueles fingimentos.

Para vocês. Pois, sim, Celine, pensei sarcásticamente.
- Ricci's aqui da Itália e mais uns quantos.

Ora aquilo convencia-me a não meter os pés na festa. Ainda tinha que pensar.
Enzo não sabia o que era ser simples. Tudo aquilo incomodava-me. Imensas pessoas, aposto que imenso dinheiro desperdiçado, luxo, atrás de luxo. Eu gostava de luxo, mas outro tipo de luxo. - Tudo bem.