[1ºAndar] Quarto do Tyler

Ia esticar as mãos para pegar na suposta encomenda quando Tyler apareceu de repente e o fez por mim. Arregalei ligeiramente os olhos, vendo o carteiro, mas nenhum de nós fez ou disse nada. Despedi-me dele apenas con um pequeno aceno e encostei-me à porta depois de Tyler a ter fechado.
- Achas que é deles? - perguntei.

Não respondi à pergunta de Stella. Desembulhei o pacote com o coração a bater-me por todo o lado do meu corpo vendo o simbolo deles na caixa acrescentando por baixo "para a família Lucania, uma lembrança".
-É - disse num tom mais baixo e ainda sem abrir o pacote respirei fundo, isto não podia ser bom. Se a tinham feito refém ou alguma coisa não iam enviar encomendas, iam telefonar.

Face ao seu silêncio, percebi que talvez fosse melhor mesmo não fazer perguntas. Já tinha percebido que isto era sério. Encostei-me à parede, ficando a vê-lo desembrulhar o pacote e apesar de estar longe, consegui ver o símbolo deles. Cerrei o maxilar abanando a cabeça, mas logo respirei fundo, tentando manter a calma.
- O que é que eles querem agora? - não consegui ficar calada durante mais tempo.- o que é isso?

Respirei pesadamente abrindo a caixa com cuidado. Lá havia outra caixa mais pequena, agarrei na mesma sem a abrir e vi uma foto minha estendido no chão e manchado de sangue.
-Estão a mostrar ao meu pai a minha morte - levantei uma sobrancelha acabando por me rir, mas quando afastei a primeira foto e vi a segunda engoli em seco ficando sem quaisquer forças em quaisquer músculos. Olhei a caixa mais pequena e quando a abri, se tivesse alguma coisa no estômago, vomitava tudo o que tinha. Para além de a terem morto, tinham-me entregue os olhos dela como "lembrança".

Acabei por me sentar no último degrau das escadas enquanto ele abria a caixa e passei uma mão pela barriga, isto estava a começar a deixar-me nada à vontade. Levantei o olhar para Tyler quando ele falou e contraí o maxilar.
- Só de pensar que eles passaram praticamente por mim e eu não fiz nada.- abanei a cabeça com um suspiro, mas quando as suas gargalhadas se calaram, eu voltei a olhá-lo, juntando as sobrancelhas.- Tyler? - ele estava completamente paralisado. Levantei-me de repente, correndo até ele e agarrei na caixa, sentindo uma enorme vontade de vomitar quando vi..quando vi..aquilo que ali estava.- o que é que..- nem precisei de terminar a pergunta, algo fez luz na minha cabeça.- são da..- até os meus olhos se encheram de lágrimas. Tapei uma boca com a mão para não gritar e abanei a cabeça.- oh meu deus.- sussurrei, abraçando o seu corpo.

Fiquei sem reação durante bastante tempo até que as minhas mãos começaram a tremelicar e eu mandei a caixa para o chão, ainda com as fotos na mão. Não estava preocupado com o meu pai, a minha mãe já se devia ter separado daquela besta, ele não lhe ligava minimamente. Respirei fundo olhando em volta sem saber bem o que fazer. O meu mundo parecia ter desabado e eu tinha que o reconstruir de novo enquanto ainda estava debaixo das paredes.

Agora sim, eu percebia porque é que era suposto odiarmos os Bloods. O que eles tinham feito, não se fazia a ninguém. Apertei o corpo de Tyler contra mim, soltando um suspiro baixinho e tentei abaná-lo para que reagisse.
- Eu prometo que eles vão pagar por isto.- murmurei.- eu vou ajudar-te a fazê-los pagar.

Olhei Stella ainda a tentar perceber o que ela dizia e neguei quando finalmente o fiz.
-Tu só precisas de ser a minha fisioterapeuta - murmurei - eles pensam que eu estou morto - engoli em seco e cerrei os dentes - só preciso de meu médico e de ti para voltar a andar. - disse entredentes.

Ouvi tudo o que ele dizia com atenção, absorvendo cada palavra sua e quando terminou, eu acenei com a cabeça, afastando-me apenas o suficiente para lhe beijar a bochecha.
- Podes contar comigo, - afirmei.- eu vou ajdar-te em tudo o que puder. - e ia, depois do que tinha visto hoje, não havia mais Stella boazinha, agora eu sabia o que me esperava.

Começava agora a voltar a sentir as dores, todo o tipo de dores, tanto emocionais como fisicas, mas não deixei transparecer as emocionais. Para mim, numa situação como esta, era mais fácil ignorar essa dor. Fui até às escadas levantei-me agarrado ao corrimão, deixando a caixa com as coisas em cima da cadeira.

Afastei-me quando percebi que ele se queria mexer e fiquei a olhar para ele, levantando as sobrancelhas mal se levantou da cadeira sem mais nem menos.
- Onde é que vais? - perguntei, acercando-me logo dele.- espera, eu ajudo-te.

Fechei os olhos com um gemido de dor quando subi o primeiro degrau.
-Para o meu quarto - disse - devias ir embora por hoje. Eu fico bem sozinho - cerrei os dentes subindo o segundo degrau e quando fui para o terceiro já me sentia exausto e cheio de dores. Encostei a cabeça ao corrimão e respirei fundo. Dava tudo para ter uma casa pequena agora.

Agarrei o seu corpo, ou pelo menos tentei, mas ele estava ligeiramente atordoado, pelo que era uma tarefa difícil. Juntei as sobrancelhas mal me disse que podia ir embora e logo abanei a cabeça.
- Eu não te vou deixar sozinho. - disse, engolindo em seco quando o vi cheio de dores. Passei as mãos pelas suas cpstas e tentei ajudá-lo de alguma forma.- anda, eu ajudo-te, tu consegues. - incentivei.

Não discuti com ela, agora não estava com disposição nenhuma para discutir e eu precisava de ajuda. Eu ia matar aquela Zoey e desta vez nem ia hesitar em disparar, ia ser directamente na testa e ainda me ia rir na cara dela. Respirei fundo voltando a fazer força e conseguir subir três de uma vez. - Apanha força sobrenatural e leva-me ao colo - levantei o olhar para ela e sorri de esguelha, ao fim de uma meia hora já tinha subido isto e já estava mais morto do que vivo. Acho que isso era a paga por fugir do hospital horas depois de ser operado.

Agradeci mentalmente por ele não ter insistido para que me fosse embora e ajudei-o a subir mais três degraus, soltando um suspiro com o que ele me disse.
- Se eu pudesse já o tinha feito.[b] - assegurei. A culpa era toda daqueles...daqueles...quem é que era cruel ao ponto de alvejar os pés de uma pessoa? Abanei a cabeça, ajudando-o a subir o que faltava e mal chegámos ao seu quarto, ajudei-o a deitar-se.- [b] pronto. - até eu estava cansada.- descansa agora, está bem?

Ao deitar-me olhei Stella com um sorriso.
-Ela fez por vingança - disse rindo-me - eu queimei-lhe a palma dos pés, por esta altura deve estar tão mal como eu - tão mal não, eu não lhe tinha afetado nenhum osso, ela só precisava de algumas semanas, eu ia precisar de uns meses.

Sentei-me na pontinha da cama, passando os dedos pelo cabelo enquanto o ouvia falar e arregalei os olhos, tentando não imaginar a dor que aquilo devia provocar, mas a gaja merecia.
- Merecia bem pior depois do que te fez.- disse de maxilar contraído, obrigando-me a pensar noutra coisa.- queres algum comprimido?

Estava ofegante por causa das dores, agora que estava deitado era mais no peito que noutro sítio. Neguei com a cabeça à sua pergunta e fechei os olhos vendo sempre aquela foto da minha mãe.
-Não há nada para tomar porque é que achas que tenho o alçapão? - respirei fundo - vou dormir, amanhã começas começas a ajudar-me a voltar a andar.

Desde o dia em que Tyler tinha saído do hospital que praticamente não saía de sua casa. Ajudava-o em tudo o que ele precisava, inclusive a voltar a andar. Ele era forte, pelo que a cada dia que passava eram cada vez mais os progressos que ele fazia.
Aproveitei que ele ainda estava a dormir e fui até à cozinha preparar-lhe um pequeno almoço como deve de ser. Coloquei tudo num tabuleiro, subindo até ao quarto e pousei o mesmo na pontinha da cama, aproximando-me dele depois.
- Ty..- chamei baixinho, passando uma mão pela sua bochecha.- acorda dorminhoco.

Virei-me para um lado e depois para o outro quando ouvi a voz de Stella acordar-me e já estava tão habituado que tive que despertar. Suspirei sentando-me na cama e olhei para a minha comida. Cada vez se começava a tornar mais difícil não demonstrar o quanto sentia falta da minha mãe, mas não o ia fazer.
-Bom dia - disse com a voz ainda rouca do sono olhando para o tabuleiro. - Ontem o meu médico disse que os resultados dos exames estavam bons.

Fiquei a olhá-lo enquanto esperava que acordasse e assim que abri os olhos, sorri-lhe. Voltei a pegar no meu tabuleiro, depois de ele se ter sentado, e pousei-o sobre o seu colo.
- Bom dia.- cumprimentei também, sorrindo com o que disse depois.- é óbvio que estão bons, tens a melhor enfermeira de sempre, é normal.- disse num tom convencido.

Ri-me com a sua resposta e peguei na fatia de maçã que estava no tabuleiro comendo-a.
- Eu a pensar que ias ficar triste porque o teu tempo com enfermeira está a acabar - sorri-lhe - mas obrigado, por me teres salvo e por me teres ajudado. Eu não sou ingrato.

Juntei ligeiramente as sobrancelhas, só agora reparando que ia ter de me afastar dele agora que ele estava a melhorar. Soltei um suspiro, deixando-me cair na poltrona e fiquei a olhá-lo.
- E eu a pensar que me ia mudar para cá. - disse na brincadeira, quer dizer, mais ou menos. Abanei a cabeça quando me agradeceu e recostei-me.- não agradeças, voltava a fazer tudo outra vez.

Sorri com a sua resposta e agarrei-lhe na mão para assim a conseguir puxar para perto de mim. Levei uma mão até ao cabelo dele e aproximei-me até a beijar levando a outra até as suas costas por dentro da camisola.
- Deixa-me agradecer outra vez - pedi contra os seus lábios.

Baixei o olhar para a sua mão quando a vi esticada na minha direcção e agarrei na mesma, sentindo-me ser puxada. Acabei por me ter de levantar, aproximando-me mais dele e de um momento para o outro, senti os seus lábios nos meus. Sustive a respiração, sentindo o meu coração despertar e fechei os olhos de imediato, eu estava à espera daquele momento há tanto tempo.
- Eu deixo. - sussurrei contra a sua boca, sendo a minha vez de o beijar.