Jardim

Relembrando a primeira mensagem :

.

Ele podia não se recordar agora, mas tinha a certeza que com a nossa convivência isso ia acabar por acontecer. Suspirei e dei por terminado o meu dia no anexo. Acabara por não fazer quase nada. Fechei a porta e voltei para dentro de casa.

Soltei uma gargalhada seca. - Compreendo.. - movimentei o líquido que tinha no meu copo antes de o levar à boca e o beber. - De certa forma não posso dizer que houve primeiros encontros. A nossa história é meio complicada. - encolhi os ombros. Nós tínhamos feito muito mal um ao outro e por agora preferia não tocar naquele assunto. - Mas quanto ao nosso casamento de facto foi engraçado. Estávamos bêbados, não nos falávamos e era o aniversário dos gémeos. O Francesco ainda nem sequer existia. Foi concebido nessa mesma noite.

Anteriormente não tivera com quem falar sobre os meus anos perdidos. Mas agora, ao ouvir Celine, parecia que certas memórias eram avivadas. Quer dizer, apenas uma. Ela falava do aniversário dos gémeos e surgiam-me imagens de um parque - Disneyland - Murmurei apercebendo-me. Wow, tinha-me recordado! - Ou seja, não nos casámos de maneira tradicional - Fiz uma careta. Eu sempre achara que se um dia me casasse seria dessa maneira.

Fiquei surpreendida quando Enzo se lembrou daquele pequeno detalhe. Não pude deixar de sorrir. - Exacto. Nós estávamos para casar quando aconteceu tudo.. hum.. quando morreste. - suspirei. Tinha a certeza que se nada daquilo tivesse acontecido, já tínhamos entrado numa igreja há bastante tempo. - Apenas íamos esperar que o Francesco nascesse, mas então houve os problemas com o gangue..

Depois de me ter lembrado da Disneyland, abateu-se em mim uma dor de cabeça aguda. Fechei os olhos por momento e tentei ignorar aquela dor. - Iamos casar-nos onde? - Perguntei.

- Está tudo bem? Se calhar é melhor ires descansar, não?! - não pude deixar de ficar preocupada. Não queria saturá-lo com todas aquelas coisas. - Hum.. íamos casar em Itália.. hum.. Veneza.. - cocei o couro cabeludo.

Não gostava quando as pessoas se davam conta da minha dor que era, afinal de contas, a minha fraqueza - Não, deixa estar - Disse, não dando importância à dor de cabeça instalada. Bebi mais um pouco do vinho. - Hum...isso sim já parece mais coisa de mim mesmo. Sempre achei que se algum dia casasse seria em Itália.

Não fiquei muito convencida, mas também não ia insistir. Acenei com a cabeça. - Sim, acho que sim. - fiz uma careta. - Hum.. Tu pensas permanecer aqui, agora que sabes que tens as crianças?!

Aquela era uma boa pergunta à qual era melhor que não fosse honesto. 
- Quero fazer parte da vida dos nossos filhos, Celine. Vou fazer parte da vida deles. - Respondi - A Austrália é o teu lar? É aqui que queres que os nossos filhos cresçam, longe das raízes de onde provêm? 

- É o nosso lar desde que morreste. - encolhi os ombros. E apesar de não considerar a Austrália como um lar, tinha sido ela que nos recebera. As crianças cresciam bem, fortes e saudáveis e longe de perigo. - Tenho saudades de LA, mas não vou arriscar a vida dos meus filhos por estúpidas raízes. Tentei fazer isso com Roma e não foi das melhores experiências.

Quase que me engasguei quando o ouvi falar. Os meus olhos arregalaram-se. Ele pensava mesmo aquilo? - LA está um autêntico caos. Até o meu irmão anda a ter dificuldades nas ruas. Os crips tornaram-se rebeldes, dividiram-se em gangues mais pequenos e os que sobraram, escondem-se de tudo e todos.. - suspirei. - Podes ter tudo aquilo que quiseres estando aqui Enzo. 

- Esquece essa vingança! - revirei os olhos. - Dinheiro e poder não são tudo na vida. E foi esse dinheiro e esse poder que te colocaram onde estás neste preciso momento. - aquela conversa não nos ia levar a lugar nenhum. Por mais que eu quisesse o apoiar, não conseguia. - Eu não vou arriscar a vida das crianças por isso. - levantei-me e segui rapidamente até à parte traseira da casa. Durante aqueles dias tinha feito o quadro que Enzo tanto pedira. Voltei poucos minutos depois, com ele já embrulhado em um papel negro. - Se decidires seguir com isso, podes esquecer que tens uma família. E isso inclui a Bella também. 

Ela não me entendia. Por momentos eu ainda tivesse esperança de que ela o fizesse. Ela deveria ter conhecido este meu lado, certo? Ela devia saber que eu não conseguia esquecer a vingança. 
Não gostava de ultimatos e aquele seu último enraiveceu-me de uma maneira que me fez perder a cabeça - Muito bem - Semi-cerrei os olhos acusadoramente. - Eu vou recuperar tudo - peguei no quadro e virei-lhe costas, saindo dali.

Enzo ia mesmo insistir naquela estúpida vingança. Não me surpreendia mas no fundo ainda quisera acreditar que ele fosse mudar de ideias. - Idiota arrogante. - cruzei os braços e suspirei. - Azar o meu que não consigo deixá-lo ir e virar costas. - Seja lá qual fosse o seu plano, ele ia acabar por cavar a sua própria cova, se fizesse tudo sozinho. Limpei a boca da garrafa e ingeri todo o líquido que restava dela. E a noite passou.