Rua Principal

Comecei a andar pelas ruas, vendo as lojas e tentando perceber as pessoas desta cidade, são novas para mim e preciso de saber a quem vou vender.

Coloquei a minha mala ao ombro, assim que fechei a porta de casa, e comecei a andar em direcção à rua principal. Ia encontrar-me com um cliente hoje. Este era daqueles que só fazia compras em grande, comprava tudo de bom e do melhor, e eu, era a melhor pessoa para lhe fornecer isso. Era conhecida pelo meu grande poder de persuasão, logo, todos os grandes clientes, eram deixados comigo. Sorri maliciosa, ao pensar na grande quantia de dinheiro que ia receber e mal cheguei junto da passadeira, nem me preocupei em olhar para os lados, atravessando logo. Eles que parassem.

Já conseguia ouvir a voz do meu pai a gritar nos meus ouvidos. As reuniões de família que ele fazia nunca corriam bem e acabavam sempre mal ou em pancadaria. Apenas me distraí uns segundos a colocar música já que a minha casa ainda ficava a uns quilometros dali e eu detestava ir em silêncio, mas isso bastou para quase atropelar uma qualquer que passava a passadeira com um ar todo importante. Tive que parar de repente, não tendo um acidente apenas por sorte. Olhei logo para a minha mala com dinheiro que estava no meu banco ao lado e coloquei-a debaixo do mesmo antes de sair para ver se a mulher estava bem.

Aquela passadeira era maior do que o habitual, aliás, toda aquela rua era maior do que o habitual. E para além disso, era um péssimo sítio para se tratar dos negócios, era por isso que ia sempre para um beco que havia por perto. Estava meio distraída com os meus pensamentos quando ouço o chiar dos pneus de um carro, mesmo ao pé de mim. Virei a cara de repente e senti o meu coração disparar, desequilibrando-me assim que dei um passo para trás e por pouco não tinha sido atropelada. Arregalei os olhos, sem conseguir processar o que tinha acontecido, mas mal vi um rapaz sair do carro, o meu maxilar contraiu-se, fazendo-me fechar as mãos em punho. Ninguém me magoava, só ao contrário.
- Eu não sei te ensinaram, quando tiraste a carta, que os peões têm prioridade nas passadeiras- olhei-o, endireitando-me enquanto passava as mãos pelos meus cabelos.- é o que dá deixarem qualquer pessoa andar na estrada.- abanei a cabeça, ainda toda a tremer por dentro.- ias-me matando!- acabei por lhe gritar, sentindo-me toda a ferver.

A sair do carro, quando ouvi aquela voz irritante revirei os olhos, mais valia ter continuado a andar e não estar a empatar o transito. - E a tua mãe não te ensinou que se deve olhar para a esquerda e para a direita mesmo quando estás a passar a passadeira? - perguntei abanando a cabeça - oh cala-te meu, estás viva!
Não estava para aturar isto e já estava atrasado.

Cruzei os braços ao peito enquanto o ouvia falar e a cada palavra que saía pela sua boca, eu só sentia o meu sangue ferver mais e mais, fazendo-me ficar corada de tão irritada que estava. A verdade também era que me irritava com pouco, mas a forma como ele falava e a forma como me olhava, só me apetecia...eu não sei bem o que me apetecia. Inclinei ligeiramente a cabeça, e elevei um dedo no ar.
- Primeiro.- disse.- eu não tenho mãe.- fui aproximando-me dele.- segundo.- elevei um outro dedo.- tem cuidado como falas comigo.- semicerrei ligeiramente os ombros, com uma cara nada amigável, parando à sua frente.- e terceiro.- elevei um terceiro dedo, agarrando-o pela camisola com força suficiente para o conseguir encostar bruscamente, elevando um joelho até lhe acertar perto do seu membro, mas não nele.- tens razão, continuo viva e cheia de força.- sorri cinicamente, afastando-me e agarrando na minha mala que entretanto tinha caído.- é melhor teres cuidado, para a próximo ficas sem ele.- disse, apontado para as suas calças e virei costas.

Até era capaz de deixar o orgulho de parte para lhe pedir desculpas quando tinha falado da sua mãe, mas ainda bem que não o fiz porque ela era uma grande puta. Limitei-me a ficar calado e posso dizer que não estava à espera da sua joelhada, mas assim que virou costas agarrei-a no seu braço puxando-a e fazendo com que ficasse encostada contra o carro, de costas para mim. - Tem tu cuidado com me falas e o que fazes.

Estava já quase a subir para o passeio quando senti agarrarem-me no braço e puxarem-me tão de repente que não consegui não soltar um pequeno gritinho. Não por estar assustada, ou algo do género, foi mesmo por não estar à espera. Como seria de esperar, era o outro que me tinha puxado. Pelos vistos tinha ficado irritadinho. Que pena que eu tinha. Revirei os olhos com um sorriso, ao sentir as minhas costas embaterem no carro e tentei não desatar aos berros.
- Não me assustas com essas tuas ameaças.- disse num tom calmo.- e se fosse a ti, largava-me, não sabes do que sou capaz.- avisei, fazendo um movimento brusco para que me largasse.

Ri-me com o que ela disse de não saber o que ela era capaz de fazer e abanei a cabeça empurrando-a bruscamente - não, tu não sabes o que eu sou capaz - entrei no meu carro, fechando a porta e olhei-a - para a próxima limita-te a olhar para os lados - disse olhando para o banco, ou melhor para baixo dele, para ver se o dinheiro continuava ali, por vezes aconteciam coisas que eram apenas ciladas, mas desta vez não. Tinha sido só mesmo um acidente. Dei uma última espreitadela para a miúda antes de recomeçar o meu caminho.

encerrado

Assim que o senti empurrar-me, tive de me agarrar ao poste que havia por perto para não cair. Se eu já estava irritada com aquele gajo, agora não podia mesmo vê-lo à frente. Mas quem é que ele pensava que era? Ele não fazia mesmo ideia do que eu era capaz.
- Eu já te disse que não me metes medo.- disse, entredentes, pegando novamente na minha mala que já tinha ido parar ao chão de novo. Ri-me ao ouvi-lo e coloquei a mala ao ombro.- e tu, aprende a conduzir, pode vir a dar-te jeito.- disse, mostrando-lhe um pirete e virei costas, enquanto me ajeitava. Agora, por causa disto, já estava atrasada. Eu só esperava não perder o meu cliente por causa deste anormal.

A minha mãe hoje estava decidida a ficar em casa, a fazer as suas coisinhas. Como eu não tenho paciência nenhuma para rendas, decidi ir sozinha dar uma volta. Nada melhor do que a rua principal para se puder apreciar umas montras. Olhava as coisas atentamente, para ver se encontrava algo que me agradasse. Mas não. Afastei-me das montras e atravessei a rua sem sequer olhar. Estava extremamente aborrecida. Parei, já quando estava no passeio, e olhei para o telemóvel para ver se havia alguma novidade ou algo para fazer. Nem negócios, nem nada. Suspirei e olhei em redor.

Depois de arrumar tudo em casa e ser felicitado pela minha avó e pela minha ex-namorada, deitei-me um pouco na cama e descansei. Eu não ia ficar ali muito tempo, pelo que uma hora depois, resolvi ir dar uma volta pela Downtown. Tinha combinado com uns amigos meus, para curtirmos como nos velhos tempos. Agora iria andar mais ''na linha'', deixar baixar a poeira, antes de fazer outra cagada. Sentei-me num banco, perto da rua principal e acendi um cigarro.

Ajeitei as roupas e comecei a caminhar pelo passeio, sempre muito atenta às pessoas que passavam por mim. Pus a mão dentro da mala e retirei um cigarro. Levei-o à boca e acendi-o depois, arrumando depois o isqueiro e o telemóvel na mala. Avistei um rapaz num banco. Não me parecia estranho, parece-me ser dos meus- Sentei-me na outra ponta do banco e dei mais uma passa - JC? - Perguntei não muito alto, olhando sempre em frente. Se não é ele, é muito parecido.

Estava concentrado a pensar na minha vida, no meu passado. Aqueles anos que entrava e saia da cadeia, tinham que parar. Não que isso me importasse. Estar cá fora ou dentro, para mim era-me igual. O problema era a minha avó, que já não ia para nova e não a queria novamente num grande desgosto. Dei mais uma passa. Nem era preciso virar a cara, porque pela voz, eu reconheci a pessoa em questão, mas mesmo assim olhei-a. - Hey.

Olhei-o pelo canto do olho e sorri de canto. - Estás igualzinho - Afirmei, num tom divertido. Se bem me lembro e não me falha a memória, ele saiu do cubículo à pouco tempo. - Então, como vai isso? Livre outra vez? - Perguntei com um sorriso, dando mais uma passa de seguida. Virei então a cabeça, lentamente, para o ver melhor.

Apaguei o meu cigarro, que nem a meio ia e encolhi os ombros. Para a infelicidade de uns e a felicidade de outros, eu estava mais do que livre. - Tu também não mudaste muito. - fiz uma careta. Já fazia imenso tempo que não a via. E digamos que entre estar preso e não estar, que as raparigas da prisão não eram grande coisa. Bom, algumas.. pelo que já nem isso apreciava muito, girls. - Sim e espero continuar até mais uns meses, quem sabe. - se bem me conhecia, infelizmente, as tragédias caiam sempre sobre mim.

Gargalhei baixinho quando afirmou que eu também não tinha mudado. - Lá isso é verdade - Concordei, traçando depois a perna. Dei mais uma passa e franzi o sobrolho. Lembro-me bem das duas últimas duas vezes que fora preso - Tu tens certos amigos que só te sabem é foder, sinceramente - Abanei a cabeça e encolhi os ombros. Sim, ele foi preso por causa dos seus supostos amigos. Com amigos desses, ele não precisa de inimigos - Devias de andar mais connosco. Eu pelo menos protejo os meus, e tu sabes disso. Sou uma gaja de confiança - Afirmei sem desviar o meu olhar do seu.

Ela tinha toda a razão em dizer-lhe aquilo. Mas a vida de negociador era sempre uma merda parecida àquela. Eu confiava sempre nas pessoas, na ''família'' e no final, ficava sempre lascado. Mas não me arrependia de nada. Se fosse preciso, fazia o mesmo, mas desta vez, mais prevenido e pronto para fugir da polícia. Sorri e abanei a cabeça. - Eu sei.. mas eram negócios. - cruzei os braços ao peito e depois olhei para a estrada e para todos os carros. - E tu sabes que não me importo de ir dentro. O problema é mesmo minha abuela.

- Eu sei, JC, eu sei que eram negócios... Mas eu lembro-me de antes termos conversado acerca disso e de te ter alertado. Mas tu estavas tão certo, tão convencido e convicto que ia tudo correr como tu esperavas... - Suspirei e aproximei-me ligeiramente dele para não ter de falar muito alto - Tu sabes que eu só quero o bem daqueles que confio, dos meus. E tu estás incluído nessas pessoas. Eu tentei avisar-te, mas pronto... Vá, isso também já passou e já estás cá fora. - Sorri ligeiramente quando falou da avó. Era um doce de pessoa e sempre muito preocupada com o seu netinho. - Como é que ela tem estado? JC, eu aconselho-te a ficares mais próximo de nós por uns tempos. Eu sei que já não te faz muita diferença estares lá dentro ou cá fora, mas acho que é o melhor. Mereces uma vida melhor do que isto do fora e dentro do cubículo, e a tua avó também tem precisado muito de ti, pelo que ouvi dizer. Não de ti fisicamente por assim dizer, mas que estejas bem.

Quanto mais ela falava, mais eu lhe dava razão, mas, como sempre, eu era um cabeça dura e não ia desistir dos negócios. Podia ter ido preso, mas o dinheiro tinha sempre chegado e ficado nas boas mãos de Marie. Fora e era o suficiente para ajudar nos tratamentos da minha avó e nas despesas lá de casa. Mas sabia que isso não era o que a abuela queria. - Pois, mas não deram 100% para o torto. - suspirei. Mas sim, eu ia acalmar-me por uns meses. - Mas eu vou acalmar. - sorri-lhe abertamente.

desculpa a demora, mas o meu computador foi abaixo -. -

- Acho que fazes muito bem, JC - Sorri-lhe de igual forma e bati ao de leve na sua perna. Nada de novo, já é quase um hábito eu dar palmadinhas carinhosas. Suspirei e olhei em frente - Então e como é que está a tua... Coisa? - Fiz uma careta por me estar a referir àquela gaja. A namorada, amiguinha, mulher, amante ou lá o que ela lhe é. Nunca gostei muito daquela gaja.

Não faz mal, eu fui tomar um duche x)

Olhei-a pelo canto do olho e comecei-me a rir, pela forma que ela tratara Marie. - A coisa, como tu lhe camas é minha ex-namorada. - voltei a rir-me. Tínhamos acabado, a meio da minha segunda detenção. Eu não aguentava vê-la ficar presa a um gajo como eu. Afinal, que futuro podia dar à nossa relação. - E tem-me ajudado muito. - encolhi os ombros. - Mas está bem.

Ri baixinho e voltei a olhar para ele - Não te rias, eu nunca gostei lá muito dela. E acho que ela também não me curto muito, por isso, quero lá saber - Encolhi os ombros e fiz mas uma careta, soltando uma pequena gargalhada - Ainda bem. O que me interessa agora é que tu e a tua avó estejam bem - Sorri-lhe carinhosamente, voltando a dar-lhe mais uma palmadita na perna

Olhei-a com um ar provocador. Não me iria mais rir, se bem que a vontade era muita. Acabei por me acalmar e voltei a visualizar os carros que por ali passavam. - Mulheres, nunca vos irei perceber. - abanei a cabeça. Notava-se a milhas de distância, o quanto aquelas duas não se gramavam e nem faziam um esforço para esconder aquilo. Suspirei alegremente. - Cá para mim, vocês as duas entraram na menopausa, antes do tempo!